Esperança e luta às margens do rio Cocó
Comunidade do Lagamar
A comunidade do Lagamar é uma das dez Zeis delimitadas pelo plano diretor de Fortaleza. O bairro, que é um dos mais antigos, registra lutas por direitos desde a sua fundação.
Há cerca de 50 anos um grupo de pessoas do interior chegava ao início da BR 116, na entrada de Fortaleza, fugindo de uma seca que assolava o sertão. A fome cedeu espaço para a esperança.
Os migrantes viram naquele pedaço de terra, às margens do rio Cocó, uma oportunidade de recomeçar a vida. Nascia ali uma comunidade que hoje corresponde ao Lagamar.
Essa é a versão de Regina Jaqueline sobre o surgimento da comunidade onde vive. Resgatando as memórias de infância, a moradora do Lagamar relembra hoje, aos 38 anos, das mulheres lavando roupa no rio e das casas feitas apenas de barro.
A versão oficial, porém, indica que os primeiros assentamentos urbanos surgiram no bairro por volta da década de 1930, tornando-a uma das comunidades mais antigas da capital cearense.
O histórico de luta vem do berço, ou melhor, das casas de barro da memória da Jaqueline, que também é membro da Fundação Marcos de Bruin, instituição que luta pelos direitos do Lagamar.
Ela conta sobre a atuação das Cebes (Centro Brasileiro de Estudo em Saúde) na década de 80, a qual junto com o presidente da fundação na época, conhecido como Padre Oliveira, conseguiu a primeira urbanização da comunidade.
"De lá pra cá, foram se criando os movimentos para melhorar essa qualidade de vida, pra dar uma qualidade de vida para as pessoas daqui. Tem uma outra geração de luta antes da gente e a gente agradece muito a essas pessoas"
Conquistas
Uma das conquistas mais recentes dessa luta ocorreu em 2010, quando a comunidade teve seu território incorporado ao Plano Diretor Participativo do Município de Fortaleza de 2009 como uma Zona Especial de Interesse Social do tipo 1, através da Lei Complementar n˚ 0076.
"A gente viu que a ZEIS era um projeto muito importante de nós pautarmos e lutarmos por ela porque ia nos dar o direito de permanecer e de diálogo com o Estado e com a Prefeitura", afirma Jaqueline.
Para conquistar esse direito, foi necessária muita luta. Os moradores realizaram uma marcha à Câmara dos Vereadores de Fortaleza, em novembro de 2009, para reivindicar a inclusão no plano diretor da cidade.
"Na casa do povo a gente não foi bem recebido, mas ai a gente forçou a barra até que uma comissão nos recebesse. A partir dessa comissão, a gente conseguiu um diálogo com a prefeitura para que a gente fosse pautada como Zeis porque a gente tava dentro do perfil, a gente tinha uma luta e a gente queria participar disso", relembra.
Após pressão popular, a então prefeita da época, Luizianne Lins sancionou a Lei Complementar da Zeis e a comunidade do Lagamar se tornou uma Zona Especial de Interesse Social.
Novas lutas
Além de ser uma ZEIS, o Lagamar também é uma das 22 comunidades atingidas pelas obras de mobilidade urbana pela implantação do Veículo Leve sobre Trilho (VLT).
As obras resultaram na remoção de 15 mil famílias, segundo levantamento feito pela Defensoria Pública do Estado. O estudo também levou em consideração as obras de requalificação do entorno da Arena Castelão.
A família da geógrafa Laissa Limeira foi uma das removidas na comunidade do Lagamar. No fim de 2015, a avó dela recebeu a notícia que a sua casa seria uma das desapropriadas para as obras do VLT.
Além da avó de Laissa, o tio e o primo dela, que moravam em uma casa conjugada, também tiveram as residências desapropriadas.
"No final de 2015 para 2016, a minha avó recebeu a notícia que a casa dela seria uma das que seriam desapropriadas. Ela recebeu o pagamento em dezembro, mais ou menos, e quando foi em janeiro, ela recebeu um prazo para deixar a casa sem ninguém, desapropriada. Para ela procurar outro lugar, sem ser na comunidade", relembra a geógrafa.
O dinheiro da indenização, no entanto, não era suficiente para comprar outra casa no bairro João do Tauape, localidade próxima a comunidade do Lagamar. A solução foi juntar as três quantias recebidas pelas indenizações para adquirir um imóvel.
“Com muita pressão, com muita luta, a gente conseguiu melhorar as indenizações porque inicialmente as indenizações não davam nem para comprar uma casa. Tinha casa que tinha três, quatro famílias dentro e como dá uma indenização pequena para quatro famílias?”, afirma Jaqueline.
A chegada da família de Laissa na nova casa foi acompanhada de preconceito, relata ela. A geógrafa relembra que os vizinhos chegaram a colocar lixo na calçada do novo endereço como forma de intimidação. Uma obra que sua avó começou na casa também foi denunciada pela vizinhança.
"Eu me sentia mais segura morando dentro do Lagamar do que hoje morando fora da comunidade. É o lugar que eu cresci, que eu estabeleci minhas relações", completa Laissa Limeira.