Estar em coletivo traz segurança. E para questionar ações irregulares ou injustas, a união de comuns é essencial. Fortaleza não foge da regra: onde há quebra de direitos, há resistência,
Mobilizar pessoas, coletivos, comunidades e até bairros inteiros é desafio para os muitos movimentos sociais que lutam pela moradia em Fortaleza. Os problemas de habitação são acumulados desde a formação da cidade e, pouco a pouco, precisam ser combatidos.
Como outras questões sociais, o desigual sistema de habitação da capital é histórico. A cidade sediou um dos sete campos de concentração criados na década de 1990 para acomodar e aprisionar a população flagelada vinda do interior.
O 'Arraial Moura Brasil', separado do Centro pela linha férrea, era o "curral" da cidade. Separados por arames farpados e vigiados por soldados, mais de 1.800 retirantes viviam aglomerados e eram impedidos de sair.
Conforme o historiador Jucá, a região é o primeiro registro de favela em Fortaleza. A segregação dos "flagelados" nas estruturas precárias, para evitar que ocupassem os centros urbanos, era mais uma estratégia de higienização social.
A tentativa de migração em massa ocorria nos anos de grandes secas, como 1932 e 1943. A partir de 1930, a cidade começou a crescer desordenadamente. A área da Jacarecanga, que até então abrigava as elites, virou palco do polo industrial da capital, pela proximidade com o Moura Brasil.
A presença dos trabalhadores fez com que os 'nobres' migrassem para novas áreas, como Benfica, Aldeota e Praia de Iracema. Os primeiros conjuntos começaram a se formar em 1940, a partir do programa de Institutos de Aposentadoria e Pensões em Fortaleza. A nível federal, a Fundação da Casa Popular (FCP) foi o primeiro órgão voltado para a provisão de residências.
Foram construídas 456 unidades próximo à Avenida Osório de Paiva. A lógica do programa seguia a lógica de criar habitações para pobres em áreas distantes do centro e exigia que os beneficiados tivessem algum emprego. Os miseráveis, fora do mercado de trabalho, não tinham direito à moradia.
A partir daí, os movimentos sociais pioneiros surgiram em 1950, em ocupações formadas no Pirambu e no Dias Macedo por trabalhadores informais e desempregados. Nos dois, existia forte presença de setores da Igreja Católica.
Em 1° de janeiro de 1962, trinta mil pessoas se reuniram na 'Marcha do Pirambu' para lutar contra as ameaças de remoções. A mobilização foi vitoriosa e, em 25 de maio, o ministro da aviação decretou a desapropriação da área para a moradia.
Ao longo da década, outros movimentos pontuais se articularam, sem ganhos expressivos. O movimento do Pirambu é visto como o primeiro ato de resistência contra remoções em Fortaleza.
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Claudiane
Rogério
Mônica
COPA PARA QUEM?
Nos anos 2000, um ponto de reviravolta na questão da habitação na capital foi a Copa do Mundo de 2014. Desde que foi eleita cidade sede, em 2009, Fortaleza começou a transformar sua infraestrutura para o megaevento. Com isso, vieram as remoções.
De acordo com o Governo Federal, foram investidos 1,58 bilhões nos projetos da cidade. Entre as obras, estão a reforma do Castelão, a construção do Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT) Parangaba/Mucuripe, estações da Linha Sul do Metrofor, ampliação do Aeroporto Internacional e construção do terminal de passageiros do Mucuripe.
Organizações de resistência, como o Movimento de Luta em Defesa da Moradia (MLDM) e a Frente de Luta por Moradia Digna, surgiram no contexto da Copa. Com apoio de uma assessoria técnica de arquitetura, os movimentos conseguiram que o VLT tivesse o projeto alterado, desalojando menos famílias. Os números concretos de remoção por cada obra não são disponibilizados pelo Governo do Ceará.
Para legitimar a necessidade de todas as intervenções, o Governo Federal afirmou que o "legado" seria para o povo Brasileiro. Em Fortaleza, moradores de áreas por onde as intervenções atravessaram questionam. E estudos comprovam que as áreas do entorno das grandes estruturas - em geral, na periferia, não foram requalificadas. E mesmo se fossem, não recompensaria as milhares de remoções.
Na malha viária, houve intervenções na Via Expressa e nas avenidas Raul Barbosa, Alberto Craveiro, Dedé Brasil e Paulino Rocha. Para o Terminal Marítimo de Fortaleza, a comunidade do Alto da Paz foi desapropriada de forma violenta.
Apenas a obra do VLT atingiu 22 bairros, causando a remoção de pelo menos 19 mil famílias, conforme o Comitê Popular da Copa Fortaleza. A organização integrou a Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (ANCOP), movimento para acompanhar e denunciar as violações causadas em decorrência da Copa.
Desde março de 2020, mês em que a pandemia do coronavírus chegou em Fortaleza, os movimentos de luta por moradia reivindicam condições sanitárias melhores para toda a periferia, o fim dos despejos e remoções e ressaltam a importância de que todos tenham acesso a uma casa. Nos grandes assentamentos precários, é difícil cumprir distanciamento social. Em mais um aspecto da desigualdade, os índices de mortalidade da Covid-19 são maiores em bairros pobres.
Para proteger os moradores, as manifestações e os atos ganharam o mundo digital. Os movimentos trabalham, de modo geral, com arrecadação de doações e recursos, campanhas de conscientização sanitária e cobrança de medidas públicas efetivas para conter a Covid entre os trabalhadores pobres, miseráveis e pessoas em situação de rua. A proteção da vida acima de tudo.